domingo, outubro 9

UN PROPHÈTE - JACQUES AUDIARD



.. Que filme... muito bom! Aclamado como sendo tão excelente quanto o Poderoso Chefão, (não compartilho esta opinião - dentro do gênero O Poderoso Chefão é hors concours), mas é um filme muito bom mesmo! Estou procurando outros filmes dirigidos pelo francês Audiard, e principalmente pelo ator Tahar Rahim, que é esplêndido... Lembrou- me muito a atuação de (guardando as devidas proporções e gêneros) Juan Villegas, no filme " O Cachorro" (Carlos Sorin)... O olhar diz tudo...
Pesquisando sobre a iconografia do poder sob o viés de Foucault, acabei encontrando o filme através de uma resenha muito boa, de Bruno Cava, que encontrei em um blog (quadrado dos loucos). Segue abaixo, mas insisto, assista é demais!


O Profeta é mais do que um filme sociológico. Como sociologia, ele empreende uma analítica do poder. Assim como Michel Foucault nos anos 1970, Jacques Audiard perscruta o poder na sua gênese molecular. A prisão pretexta o estudo do corpo-a-corpo das relações de poder. O poder da máfia, a força policial, a violência urbana não passam de efeitos de superfície. Vetores resultantes dos dispositivos bem mais localizados e concretos, através dos quais o poder se exerce. O comando dos agentes penitenciários resulta secundário, quando se compreende o funcionamento estrutural da prisão. O poder da máfia igualmente, pois se constitui nesses circuitos muito concretos por onde circulam a violência e os corpos. É desse modo analítico que a arquitetura prisional, os movimentos, as pequenas maldades, tudo isso dá forma à narrativa de O Profeta.
A pesquisa do poder de Audiard realiza-se com a câmera atenta à relação fundamental entre território e poder. Ela caminha junto do protagonista-narrador para enxergar a micro-política da prisão. O pátio, os pavilhões, os corredores, os banhos, as salas de revista --- cada local segue uma geografia política minuciosa. As seqüências de câmera-na-mão, bem como planos claustrofóbicos, garantem a percepção desses espaços, na sua violência intrínseca, no seu funcionamento impessoal e estrutural. Daí O Profeta ser um filme mais espacial do que temporal, mais arquitetônico do que narrativo.
A tese funciona na sinédoque: o sistema prisional comparece como explicação da sociedade lá fora. As tecnologias de poder (circulação, transmissão, formação de discursos etc), seja do aparato policial ou do mafioso, são estruturalmente as mesmas, dentro (parte) e fora da prisão (todo). Prevalece o isomorfismo estrutural: dentro e fora se confundem. No enredo, os muros são abolidos com as saídas regulares. A prisão plasma a sociedade e esta determina aquela. Âmago do pensamento de Foucault a partir de Vigiar e Punir.
No filme, Malik vence porque compreende o caráter maquiavélico das relações de poder. Daí reúna a virtude em agir estrategicamente: combinação de maquinações, coragem e timing. A história de seu crescimento na pirâmide criminosa é a história do domínio crescente das estratégias de poder. Todo conhecimento adquirido de Malik --- nas aulas da escolinha prisional, no aprendizado de línguas, no mapeamento das gangues --- não serve a outra coisa senão para aperfeiçoar as suas habilidades de estrategista. Nada de conhecimento conduzindo ao bem e à ressocialização, no melhor espírito socrático/humanista. Tem-se sim um jogo de poder baseado no senso de oportunidade, na determinação, na engenhosidade, em suma, na virtú renascentista.
Como comentário de seu tempo, O Profeta sublinha o crescente contingente de imigrantes islâmicos, vindos do Oriente Médio ou do norte da África. Multidão que se organiza e gradativamente aumenta a sua força. Êxodo dos outrora colonizados que põe em risco o pacto norte-sul, implodindo a divisão capitalista do trabalho entre os hemisférios. Por isso mesmo, tais imigrantes --- assim como os árabes do filme --- enfrentam o racismo das direitas na Europa. O fenômeno Sarkozy, por exemplo. No longa, a ascensão dos imigrantes conclui-se na tomada do poder sobre os corsos, dentro e fora da prisão --- sucede a vitalidade do Islã a "ameaçar" o Ocidente branco e cristão.
Mas onde está o profeta do título? É Malik, o presidiário humanizado, eu-lírico com o qual se estabelece a identificação do espectador. Trata-se de um tipo árabe, porém sem raízes culturais e, por essa razão, capaz de transitar livremente pelas identidades. Beneficia-se de seu materialismo radical. A voz de Deus é a força de quem não tem religião senão como vontade de potência.
Aclamado pelos públicos e crítica, O Profeta é um filme competente numa proposta sólida e bem delineada pelas humanidades francesas. Embora, no princípio, este filme-de-prisão cheire a mera tese sociológica, na sua evolução o diretor esbanja domínio formal e criatividade para potencializá-la na linguagem do cinema.
Bruno Cava.

Nenhum comentário:

Postar um comentário